sexta-feira, 4 de julho de 2014

Marxismo cultural é um paradoxo - cuidado com quem evoca este termo by economista e historiador presbiteriano Gary North

Marxismo cultural é um paradoxo - cuidado com quem evoca este termo
por , sexta-feira, 4 de julho de 2014

Na década de 1960, os marxistas da URSS tratavam o movimento conhecido como 'marxismo cultural' com o mesmo grau de ceticismo que os cristãos seguidores da Bíblia tratam o modernismo teológico.  Em outras palavras, eles negavam veementemente que aquilo representasse o verdadeiro marxismo.
Quando você abandona os princípios fundamentais de uma determinada ideologia, mas ainda tenta manter o nome dessa ideologia — porque há muitos seguidores dela —, você será tratado pelos defensores da ideologia original como um invasor.

O marxismo cultural está para o marxismo assim como o modernismo está para o cristianismo.  Qualquer indivíduo que considere que marxismo cultural é marxismo não entende nada de marxismo.  No entanto, tal postura é muito comum em círculos conservadores.  Trata-se de um grande erro estratégico porque representa, acima de tudo, um erro conceitual.

O coração, a mente e a alma do socialismo marxista ortodoxo é um só: o conceito de determinismo econômico.  Marx argumentou que o socialismo é historicamente inevitável porque haverá uma inevitável transformação do modo de produção da sociedade.  Ele argumentou que o modo de produção é a subestrutura de uma sociedade, e que a cultura geral é a superestrutura.  Segundo ele, as pessoas se apegam a uma visão específica das leis, da ética e da política de uma sociedade somente por causa de seu comprometimento a um modo específico de produção.  Se esse modo de produção for alterado, o apego das pessoas às leis, à ética e à política será alterado. 

Em 1850, o modo dominante de produção era o capitalismo.  Marx assim rotulou esse modo de produção.  O nome pegou, ainda que o marxismo original esteja culturalmente morto.

Essa posição de Marx ganhou vários defensores exatamente porque ela era puramente econômica/materialista.  Marx criou uma teoria que descartava a necessidade de qualquer explicação histórica; no fundo, era uma teoria que se baseava na ideia de que ideias não são fundamentais para a transformação da sociedade.  Marx acreditava que a arena decisiva da luta de classes é o modo de produção, e não a batalha das ideias.  Ele via as ideias como um desdobramento secundário do modo de produção.  Sua visão era essa: ideias não têm consequências significativas.  Retire esse postulado do marxismo, e o que sobra não mais será marxismo.

É por isso que sempre me espanto quando vejo analistas conservadores aceitando a ideia de marxismo cultural.  Eles recorrem aos escritos da Escola de Frankfurt para pegar notas de rodapé que dêem sustento a essa ideia.  Os analistas mais sagazes recorrem aos escritos de Antonio Gramsci feitos dentro de uma prisão na década de 1930.  Gramsci oficialmente era um comunista.  Ele era italiano.  Ele passou uma temporada na União Soviética durante a década de 1920 e voltou de lá acreditando que a tradição leninista estava incorreta.  O Ocidente havia demonstrado não ser um terreno fértil para o comunismo precisamente porque o Ocidente era cristão.  Gramsci entendeu claramente que, enquanto o cristianismo não fosse destruído e permanecesse uma tradição precípua no Ocidente, não haveria nenhuma revolução proletária aqui.  A história certamente o comprovou correto.  A revolução proletária jamais veio.

Gramsci argumentou, e a Escola de Frankfurt seguiu seu caminho, que a maneira de os marxistas transformarem o Ocidente era por meio da revolução cultural: daí surgiu a ideia do relativismo cultural.  Esse argumento está correto, mas o argumento não era e nem nunca foi marxista.  O argumento era hegeliano.  Tal argumentou virava o marxismo do avesso, assim como Marx havia virado do avesso as ideias de Hegel.  Em seus primórdios, toda a ideia do marxismo era baseada na rejeição do lado espiritual do hegelianismo.  O marxismo original estabelecia que o modo de produção deveria ser o núcleo da análise da cultura capitalista.

Em 1968, no auge do movimento contra-cultural, escrevi um livro sobre Marx intitulado Marx e sua religião de revolução.  Já era claro para mim, em 1968, que o marxismo era uma religião de revolução, uma visão que remetia aos festivais de Cronos, na Grécia antiga.  O marxismo não era uma análise científica da sociedade, e nem de sua economia.  Para escrever esse livro, não perdi tempo com o marxismo cultural.  No entanto, teria sido muito mais fácil mostrar o lado religioso do marxismo recorrendo aos marxistas culturais.  Eles claramente haviam entendido que, na cultura ocidental — a qual é um desdobramento do cristianismo —, todas as questões culturais envolviam religião.  Mas isso acabaria com o propósito do meu livro.  Meu objetivo era mostrar que o marxismo original era em si uma religião própria.  Invocar o marxismo cultural iria desviar o foco dos leitores.  Marxistas culturais teriam sido alvos mais fáceis, mas discuti-los enfraqueceria o argumento do meu livro.

Os marxistas culturais dividiram o campo marxista.  Seus ataques à cultura podem ser interpretados como uma tática, mas eram mais do que uma tática: eram uma estratégia.  Eram uma estratégia baseada no abandono do marxismo original.

Podemos discutir essa cisão no marxismo em termos de uma família específica.  O mais proeminente defensor intelectual do stalinismo nos EUA durante as décadas de 1940 e 1950 era Herbert Aptheker.  Sua filha Bettina era uma das líderes do Movimento da Liberdade de Expressão, o qual havia começado no segundo semestre de 1964 na Universidade da Califórnia, Berkeley.  Ela se tornou bem mais famosa que seu pai stalinista.  Foi aquele evento no campus que lançou a rebelião estudantil e o movimento contra-cultural.  Mas o próprio termo "contra-cultura" é um indicativo do fato de que tal conceito nunca foi marxista.  Era sim uma tentativa de derrubar a cultura dominante, mas Marx jamais teria perdido tempo com tal conceito.  Marx não era um hegeliano.  Ele era um marxista.

Bettina e seu pai romperam relações em 1968, quando a URSS invadiu a Tchecoslováquia.  Bettina foi contra a invasão.  O Partido Comunista dos EUA, onde seu pai era uma figura proeminente, foi a favor e defendeu a URSS.
Anos depois, Bettina revelou que seu pai havia lhe abusado sexualmente dos 3 aos 13 anos de idade.  No fundo, na visão de mundo de seu pai, ele estava apenas conduzindo sua própria agenda gramsciana; ele estava atacando a cultura ocidental desde dentro de sua própria casa.  Mas isso não afetou seu marxismo ortodoxo.  Afetou o de sua filha.

Bettina Aptheker é hoje professora da Universidade da Califórnia, e leciona estudos culturais: 
feminismo.  O movimento que ela lançou em Berkeley morreu no início da década de 1970.  Ela ainda é uma crítica fervorosa do capitalismo, mas suas críticas não se baseiam nos escritos de Karl Marx.  A contra-cultura também não baseou em Marx.

A contra-cultura

Sejamos claros e diretos: Marx estava errado e Gramsci estava certo.  O marxismo ortodoxo não foi a causa primária da contra-cultura.  A contra-cultura era um movimento progressista que visava a atacar as bases fundamentais da cultura ocidental.  Já o marxismo estava comprometido em alterar o modo de produção.  Com efeito, ele também queria alterar a cultura, mas queria fazer isso por meio de alterações profundas nos modos de produção. 

Eis o problema: os conservadores de hoje levam excessivamente a sério as declarações dos marxistas culturais da Escola de Frankfurt, que na realidade não eram marxistas.  Eles eram basicamente progressistas e socialistas. Mais ainda: eles facilmente teriam sido alvos de Marx em 1850.  Marx passou a maior parte de sua carreira atacando pessoas assim, e praticamente não gastou tempo nenhum atacando Adam Smith ou os economistas clássicos.  Ele jamais respondeu aos economistas neoclássicos e aos economistas da Escola Austríaca que surgiram no início dos anos 1870.  Marx teve muito tempo para responder a essas pessoas, mas ele nunca o fez.  Ele passou a maior parte de sua vida atacando indivíduos que hoje seriam rotulados de marxistas culturais.  Marx os considerava inimigos infiltrados no campo socialista.  Marx os atacava porque eles, quando atacavam o capitalismo, não fundamentavam seus ataques utilizando a teoria do socialismo científico de Marx, a qual era toda baseada no modo de produção.

Na década de 1920, Gramsci havia entendido claramente que, se ele permanecesse da União Soviética, ele acabaria sendo mandado a um campo de concentração.  Ele poderia até ser executado.  Ele havia percebido que Stalin provavelmente teria mandado matá-lo.  Portanto, ele voltou para a Itália sabendo perfeitamente bem que também acabaria sendo enviado a um campo de concentração italiano, o que de fato ocorreu.  Mas os fascistas o deixavam ler e o deixavam escrever.  Ao permitir isso, eles solaparam o comunismo marxista.

É difícil rastrear a influência histórica da Escola de Frankfurt.  Sair de uma ínfima seita e alcançar toda a cultura geral é algo que requer um estudo de causalidade complexa.  O movimento básico rumo ao relativismo cultural começou no final dos anos 1880, e os principais marcos disso foram o modernismo teológico e o movimento progressista.  A psicologia freudiana já fazia parte disso em 1925.  Freud fornecia a justificativa para o relativismo; a Escola de Frankfurt só veio depois.  Só que o modernismo teológico ganhou muito mais adeptos do que a Escola de Frankfurt jamais sonhou ganhar.

A contra-cultura que começou após o assassinato de Kennedy era muito mais um produto dos Rolling Stones do que da Escola de Frankfurt.  O sexo, drogas e rock 'n roll em meadas da década de 1960 substituiu o sexo, cerveja e rock 'n roll do final da década de 1950.  Era uma mistura mais poderosa.  Não tente rastrear a contra-cultura à Escola de Frankfurt.  É melhor rastreá-la à Primeira Guerra Mundial, que arrancou pela raiz as instituições do Ocidente.  O que ocorria nos bancos traseiros dos automóveis após 1918 tinha mais a ver com a contra-cultura do que com os escritos da Escola de Frankfurt.

Conclusão

O Ocidente jamais chegou perto de uma revolução proletária.  No entanto, quando o Ocidente decidiu que "não roubarás" deveria ser reescrito como "não roubarás, exceto por votação majoritária", a visão de mundo keynesiana havia nascido.  Essa visão é dominante hoje.

O marxismo está morto.  O marxismo cultural também.  Estamos na época do keynesianismo social-democrata.

Para vencer essa batalha é necessário persuadir as pessoas de que "não roubarás" significa exatamente isso: é imoral roubar, com ou sem voto majoritário.

E isso não tem nada a ver com o modo de produção.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite
Fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1896

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